Análise Psicológica: Sorria (2022) e o Trauma

Antes de mais nada, você curte filme de terror? Não sou uma grande fã do gênero, mas admiro a forma como os diretores e produtores conseguem representar sentimentos complexos nas telas. Este final de semana assisti Sorria (Smile – 2022) e fiquei impressionada como o trauma foi trabalhado no longa. Por isso, decidi fazer essa análise psicológica sobre o filme, ressaltando alguns aspectos culturais da nossa sociedade, uma breve explicação sobre o trauma e a diferença entre a visão psicanalítica e a terapia cognitivo comportamental sobre o assunto. 

Se você ainda não assistiu Sorria e gosta de filmes de terror que explora questões psicológicas, porém não deixam de derramar muito sangue falso nas cenas, vá assistir e depois volte aqui para debatermos, ok ?

1. BREVE ANÁLISE TÉCNICA DE SORRIA (2022)

Lançado em 2022, o filme Sorria, dirigido por Parker Finn, é um thriller psicológico que explora os limites do medo e da mente humana. Protagonizado por Sosie Bacon no papel de Rose Cotter, a narrativa segue a terapeuta após presenciar o $uicídio brutal de uma paciente. Logo depois, o evento desencadeia uma série de fenômenos sobrenaturais que a levam a confrontar traumas do passado e a questionar sua própria sanidade. Com uma atmosfera carregada de tensão e simbolismos visuais, o longa foi aclamado por sua abordagem única ao terror psicológico.

2. O QUE É O TRAUMA?

Convenhamos: a palavra “trauma” está muito mais presente nos nossos diálogos do que em qualquer outra geração. Isto porque um rapaz chamado Sigmund Freud (1856-1939) dedicou a sua vida para estudar sobre o inconsciente da mente humana, não fugindo dos temas que eram tabus para a época, e hoje conseguimos explorar melhor sobre esses fenômenos complexos. 

Primeiramente, os traumas são respostas emocionais de situações marcantes às quais o sujeito não consegue administrar. Desse modo, a exposição ao trauma pode desencadear uma variedade de transtornos, dependendo de fatores como a vulnerabilidade do indivíduo, recursos de enfrentamento e o suporte social.  

3. ANÁLISE PSICOLÓGICA SOBRE O TRAUMA E A ROSE

No filme, a transmissão do “mal” ocorre quando uma pessoa testemunha um ato traumático, especificamente, o $uicídio de alguém possuído pela “entidade”. A partir da análise psicológica, esse ciclo, em outras palavras, representa como o trauma pode ser “herdado” emocionalmente entre indivíduos em contextos sociais, familiares ou profissionais.  Assim sendo, a protagonista, Rose,  marcada por experiências traumáticas da infância, é confrontada com memórias reprimidas após testemunhar o autoextermínio de uma paciente.

De acordo com a visão psicológica, o filme ilustra como esses eventos podem ser armazenados no inconsciente e desencadeados por situações específicas, gerando flashbacks, dissociação e hiperatividade emocional. Segundo van der Kolk (2014), eventos traumáticos alteram o funcionamento do cérebro, principalmente no processamento emocional e na regulação de memória.

De acordo com o viés da análise psicológica, a relação de Rose com a entidade sobrenatural simboliza a internalização da culpa e da dor associadas ao trauma, destacando como essas emoções podem influenciar a percepção da realidade e a autorregulação emocional. 

A “entidade” do filme, por analogia, funciona como uma representação dos efeitos debilitantes do trauma não resolvido. Da mesma forma, no filme, os sintomas apresentados pelas vítimas — medo constante, isolamento social e alucinações — podem ser comparados ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Consequências essas alertadas pela psicóloga de Rose ao relembra-la sobre a natureza do trauma ser feridas que possivelmente nunca serão curadas completamente. Por essa razão, no tratamento psicológico não trabalhamos para que o paciente esqueça o ocorrido, mas sim que ele aprenda a melhor maneira de lidar com as lembranças e emoções. 

3. SORRIR EM QUALQUER SITUAÇÃO?

Em primeiro lugar, quantos filmes de terror você assistiu e em alguma cena tinha um riso macabro? Pelo sentido mais simplista, por vezes, esse comportamento social é utilizado para para mostrar a dissonância entre o bem e o mal: O que te faz rir vs o que faz uma entendida maligna rir.  

Contudo, o sorriso, elemento central no filme aqui analisado, é carregado de simbolismo. Assim sendo, ele representa a dissonância entre aparência e realidade, funcionando como uma máscara social que oculta emoções profundas, como tristeza, medo e angústia. 

Qualquer semelhança, não é mera coincidência com a nossa sociedade. 

Em uma sociedade onde precisamos estar constantemente da nossa melhor versão, sem tristezas, preocupações ou queixas, o uso de antidepressivos e ansiolíticos são recursos quase obrigatórios para a sobrevivência social. Quero deixar claro: sou favorável ao uso de remédios psicoativos no enfrentamento contra os transtornos mentais, porém, percebo o consumo desenfreado dos mesmos. 

Você pode gostar de assistir: https://www.youtube.com/watch?v=xdb5GazfLgs

4. VISÃO PSICANALÍSTICA vs. T. COGNITIVO COMPORTAMENTAL

Por mais que dentro do consultório utilize as técnicas e conceitos do cognitivo comportamental, sou uma verdadeira entusiasta do mundo psicanalítico na vida pessoal. Estou sempre flertando com livros, teses e filmes de cunho psicanalítico. Acredito ser de muito valor, conhecermos um pouco dos dois mundos. Por isso vou deixar aqui um resuminho de como provavelmente seria  abordagem de cada vertente:

  • Visão Psicanalítica:
    Sob a ótica psicanalítica, Sorria aborda o retorno do recalcado, conceito central de Freud. A experiência de Rose com a entidade pode ser interpretada como a manifestação do inconsciente reprimido. O sorriso maligno, nesse contexto, representa o conteúdo traumático que emerge de forma disfarçada, causando angústia e desconforto. Essa abordagem enfatiza a necessidade de acessar as raízes do trauma por meio da associação livre e da análise profunda das emoções reprimidas.
  • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC):
    Sob a perspectiva da TCC, o comportamento de Rose reflete uma distorção cognitiva baseada no medo e na culpa. Segundo Beck (1979), a TCC abordaria esses sintomas ajudando a personagem a identificar e modificar pensamentos disfuncionais que perpetuam o ciclo de sofrimento. Técnicas como exposição gradual e reestruturação cognitiva poderiam ser aplicadas para reduzir a ansiedade associada às memórias traumáticas, permitindo a Rose enfrentar a entidade de forma mais racional e eficaz.

5. CONCLUSÃO

Em síntese, Sorria conseguiu ser mais do que um filme de terror; é um retrato psicológico de como o trauma pode dominar a vida de um indivíduo, levando-o a enfrentar suas sombras internas. Por fim, o longa nos desafia a refletir sobre a importância de encarar o sofrimento com suporte adequado, seja pela psicanálise ou pela TCC, evidenciando que o verdadeiro terror reside na negação de nossas emoções e experiências.

Você não precisa enfrentar os seus traumas sozinhos. Busque ajuda! 

Obrigada por ter chegado até aqui e TCHAUUUU!

Leia também: https://amandacalixta.com/while-we-wait-here-explorando-luto-e-trauma-com-psicologia-e-jogos/

6. REFERÊNCIAS

BECK, A. T. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press, 1979.

Hemenover, S. H., & Bowman, N. D. (2018). The Emotional Benefits of Horror Media: Exploring the Fear Paradox. Journal of Media Psychology.

TEASDALE, J. D. et al. Emotion and cognition: A schema-based perspective. Cognitive Therapy and Research, v. 19, n. 1, p. 147-160, 1995.

VAN DER KOLK, B. A. The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. New York: Viking, 2014.

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