Quem nunca se perguntou “eu sou suficiente?”
Nesta nova série, irei compartilhar com vocês pensamentos e reflexões enviadas para mim e tentarei achar complementos em estudos científicos sobre o tema. Este é um espaço aberto para o debate, então comentem aqui sobre a sua perspectiva. Do mesmo modo, deixo aberto o envio para o meu email da sua reflexão (aba Contatos), peço apenas que me informe se gostaria de ser identificado ou se mantemos no anonimato.
E para o nosso primeiro texto, temos o relato da Moema com a meditação sobre: será que nossa identidade é definida pelo que fazemos e como somos vistos pelos outros, ou podemos nos sentir completos apenas sendo quem somos?
1. QUEM REALMENTE SOU?

Vivemos na era do “seja sua melhor versão”. Embora a busca pelo crescimento pessoal possa ser positiva, ela também pode se tornar um ciclo infinito de insatisfação, onde nunca nos sentimos bons o suficiente.
No relato da Moema encontramos este trecho: “Apareceram muitas coisas que quero ser e acho que sou: sou minha profissão, sou meus relacionamentos, sou meus hobbies, sou minhas escolhas.” Por vezes acreditamos, fielmente, sermos aquilo que conquistamos, mas será mesmo essa é a base do cálculo?
Definitivamente, quando essa busca por melhoria se torna excessiva, podemos desenvolver um perfeccionismo disfuncional, que nos impede de reconhecer nossas conquistas e nos faz sentir insuficientes o tempo todo. Esse ciclo de autocrítica e insatisfação constante pode alimentar a Síndrome do Impostor, um fenômeno psicológico no qual a pessoa acredita que suas conquistas são fruto da sorte ou de circunstâncias externas, e não de sua própria competência.
Agora você deve estar se recordando de todas as vezes que colocou um objetivo como um ponto de virada na sua vida – ser aprovado em um concurso X ou até comprar o carro do ano – e passado alguns dias da sua conquista, esse sentimento de “falta” ainda estava lá.
A adaptação hedônica é um conceito psicológico proposto pelos psicólogos Brickman e Campbell (1971), que descreve a tendência dos seres humanos a retornarem a um nível relativamente estável de felicidade após experiências positivas ou negativas significativas. Em outras palavras, independentemente de conquistas, ganhos materiais ou eventos traumáticos, as pessoas costumam se adaptar emocionalmente e voltar ao seu estado base de bem-estar.

“E de tanto procurar coisas pra ser, a última que me veio foi: sou o suficiente”.
A Psicologia Positiva nos ensina que o crescimento pessoal precisa ser equilibrado com autoaceitação. Carl Rogers (1959) propôs que a verdadeira realização vem quando conseguimos nos aceitar genuinamente, sem a necessidade de constante validação externa.
No entanto, a autoaceitação não significa estagnação, pois o desenvolvimento contínuo também faz parte do equilíbrio psicológico.
2. ENTÃO O QUE REALMENTE IMPORTA?
“Isso me fez pensar como o desejo de agradar a todos é inversamente proporcional ao de ser você mesmo.”
Na perspectiva da psicologia social, a influência mútua entre indivíduos é algo natural e necessário. A Teoria da Identidade Social, proposta por Henri Tajfel, sugere que as pessoas se definem a si mesmas com base em suas conexões, o que contribui para a formação da autoimagem e autoestima. Essa identificação grupal pode moldar atitudes, crenças e comportamentos, demonstrando como a influência social é intrínseca às interações humanas.
Ao passo que é indispensável também olharmos para as necessidades psicológicas básicas de autonomia, competência e relacionamento. Aprofundar nessas necessidades é fundamental para o bem-estar e para a formação de uma identidade autêntica. Isso implica que, embora busquemos conexão e validação social, também devemos cultivar a capacidade de agir de acordo com nossos valores e crenças pessoais.

Ocasionalmente, pode ser desafiador fazer essas descobertas porque fomos ensinados a medir nosso valor pelo que conquistamos e pela aceitação externa. Mas será que nossa identidade pode ser reduzida a títulos, bens materiais ou ao reconhecimento dos outros?
Quem somos quando ninguém está olhando, o que nos move genuinamente e quais valores sustentam nossas escolhas. Descobrir-se envolve explorar aquilo que nos traz satisfação, mesmo que não seja validado por ninguém.
Isso significa se permitir experimentar novos interesses sem a pressão de ser excelente neles, redescobrir prazeres simples sem a necessidade de um propósito produtivo e entender que o que nos define não é um cargo, um relacionamento ou um status social, mas aquilo que faz sentido para nós, independentemente do olhar alheio.
3. RELATO NA ÍNTEGRA
“Nas minhas resoluções de final de ano eu refletia sobre quem eu sou. Queria deixar registrado pra mim mesma, como quem quer autoafirmação para os momentos de dúvida.
Apareceram muitas coisas que quero ser e acho que sou: sou minha profissão, sou meus relacionamentos, sou meus hobbies, sou minhas escolhas. E de tanto procurar coisas pra ser, a última que me veio foi: sou o suficiente. E essa com certeza foi a mais difícil de tentar encarar.
Esse ano eu li um livro que falava de um rapaz que fez um pacto com a escuridão e o maior desejo dele era ser suficiente para todo mundo. Então todo mundo que entra em contato com ele enxerga exatamente o que mais deseja ver em alguém. Acontece que ninguém o vê pelo que ele é, e sim pelo que esperam de alguém como ele. Isso me fez pensar como o desejo de agradar a todos é inversamente proporcional ao de ser você mesmo. Se eu for a pessoa perfeita pra todo mundo, eu não vou ter tempo de ser pra mim. Não vou nem me esforçar em me conhecer ou me agradar, porque o que eu quero ser está no olhar e nas necessidades do outro.
Toda essa reflexão e inspiração do livro me fez questionar como eu posso buscar ser o suficiente pra mim. Claro que quero aprender com a vida, melhorar aspectos da minha personalidade, ser mais contente, mas toda aquela conversa de se comporte assim, seja sua melhor versão, essa é a atitude que você deve ter, são tantas demandas que parece que o que eu sou tá muito ruim, não é o suficiente, não é o esperado e se não for pra melhorar então nem vale a pena viver.
E de repente a dificuldade que eu tenho é de pensar que tudo que eu sou contempla exatamente o que eu preciso ser. Dá até um alívio em pensar assim. Fica até estranho não ter nenhuma missão, não ter uma meta a ser atingida. Mas eu mereço parar um pouco e me aquietar com tudo que eu sou e conquistei até aqui, eu sou o suficiente e tá tudo bem assim.”
4.CONCLUSÃO
“Fica até estranho não ter nenhuma missão, não ter uma meta a ser atingida. Mas eu mereço parar um pouco e me aquietar com tudo que eu sou e conquistei até aqui, eu sou o suficiente e tá tudo bem assim.”
A sensação de insuficiência muitas vezes vem da comparação constante e da busca por aceitação externa. Mas a vida não precisa ser sobre isso, já que a auto aceitação e crescimento pessoal podem coexistir. Podemos evoluir sem anular quem somos agora.
Obrigada por ter chegado até aqui e TCHAUU!
5.REFERÊNCIAS:

BRICKMAN, P.; CAMPBELL, D. T. Hedonic relativism and planning the good society. In: APLEY, M. H. (Ed.). Adaptation-Level Theory: A Symposium. New York: Academic Press, 1971.
DIENER, E.; LUCAS, R. E.; SCOLLON, C. N. Beyond the hedonic treadmill: revising the adaptation theory of well-being. American Psychologist, v. 61, n. 4, p. 305-314, 2006.
ACUPSI. A importância da identidade social e autodeterminação na construção do eu. 2023. Disponível em: https://acupsi.org. Acesso em: 07 fev. 2025.
DECI, Edward L.; RYAN, Richard M. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Springer Science & Business Media, 1985.
TAJFEL, Henri. Individuals and groups in social psychology. British Journal of Social and Clinical Psychology, v. 18, n. 2, p. 183-190, 1979.